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domingo, 12 de setembro de 2010

Um político de ficha limpa


Não costumo republicar artigos de outros autores neste espaço, mas abro hoje uma exceção para levar ao conhecimento de meus leitores, um texto do Arcebispo de São Paulo, Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer. Acho que o momento é de discussão política, afinal o futuro do nosso país e do nosso estado está em jogo e temos que refletir muito bem qual o caminho que tomaremos para decidir com precisão, à luz da fé e com discernimento. Segue então, na íntegra, esta bela reflexão que deve chegar ao conhecimento de todos.

“A campanha em favor da “ficha limpa” mobilizou, em todo o Brasil, milhões de pessoas que acreditaram na possibilidade da decência e da ética na política. Em Brasília houve quem apostou que seria mais fácil a vaca voar do que esse projeto de lei de iniciativa popular passar pelo Congresso Nacional. Surpresa! A vaca não voou, mas o projeto passou, a lei já foi sancionada e está em vigor. Agora é vigiar e clamar pela sua aplicação correta. O País agradece a tantos cidadãos que se empenharam para barrar, antes das urnas, pretendentes a mandatos políticos que não podem ostentar idoneidade moral para governar ou legislar. Será bom para o Brasil. Muito bom.

Mas, sejamos justos. Nem todos os políticos foram ou são “fichas sujas”. Muitos desempenharam com dignidade e grandeza a sua missão. No passado e no presente. Quero lembrar um deles, Tomás Morus, um político inglês. Não é que faltem exemplos também entre nós, mas porque esse é emblemático. Nasceu em Londres, em 1478; estudou Direito em Oxford, casou, teve 3 filhas e um filho. Homem de vasta cultura, amigo de notáveis protagonistas do Renascimento, escreveu vários livros sobre a arte de governar e em defesa da religião - era católico fervoroso. Em 1504 foi eleito para o Parlamento e o rei Henrique VIII confiou-lhe importantes missões diplomáticas e comerciais; chegou a ser membro do Conselho da Coroa, vice-tesoureiro do Reino e, em 1523, presidente da Câmara dos Comuns. Em 1529 foi nomeado chanceler de Sua Majestade.

Quando o soberano, não atendido pelo papa em sua pretensão de divórcio, resolveu ser, ele mesmo, o chefe na Igreja da Inglaterra, separando-a de Roma, o fiel chanceler começou a ter problemas. Não aprovando a ingerência do rei na Igreja e não aderindo à sua política discriminatória contra os católicos, Tomás Morus renunciou ao cargo e retirou-se da vida pública, para sofrer, com sua família, o ostracismo e a pobreza. Foi encarcerado na Torre de Londres e submetido a várias formas de pressão para prestar juramento de fidelidade ao rei. Preferiu permanecer fiel à sua consciência e, com firmeza, denunciou no tribunal o despotismo do soberano. Condenado à morte por “infidelidade ao rei”, foi decapitado no dia 6 de julho de 1535.

Da prisão, escreveu à filha Margarida: “Fica tranquila, minha filha, e não te preocupes com o que possa me acontecer neste mundo. (...) Até agora, Deus me deu a graça de tudo desprezar, do fundo do coração – riquezas, rendimentos e a própria vida – ao invés de jurar contra minha consciência”. E manteve esta posição com serena firmeza. Não traiu a consciência por vantagens, poder, riquezas, prestígio, nem passou por cima da verdade e da decência, mesmo para salvar a própria vida. Permaneceu “ficha limpa”, sabendo que isso lhe custava a cabeça. Literalmente.

Em 1935, quatro séculos depois de seu martírio, o papa Pio XI declarou-o “santo” e, no ano 2000, João Paulo II proclamou-o patrono dos governantes e políticos. De fato, vários chefes de Estado e de Governo, numerosos dirigentes políticos, além de Conferências Episcopais, haviam apresentado sugestão ao papa, nesse sentido. Tomás Morus foi um político comprometido com a verdade e com os valores éticos. O que mais impressiona nesse grande homem público é a retidão e a inflexível fidelidade à própria consciência. Colaborou com a Autoridade e as instituições, enquanto eram legítimas; exerceu o poder na medida da justiça, como serviço ao povo e a seu país. Mas sua grande firmeza de caráter e sua sólida estatura moral não lhe permitiram cair na tentação de usar o poder para sua vantagem e ganhos pessoais. Colocou sua atuação pública ao serviço dos mais pobres e desprotegidos, promoveu a paz social, a educação integral da juventude, a defesa da pessoa e da família. Diante das lisonjas do poder, das honrarias e das riquezas, conservou uma serena jovialidade, inspirada no sensato conhecimento da natureza humana e da futilidade do sucesso. Manteve o bom humor, mesmo diante da iminência da morte.

Tomás Morus harmonizou, de forma extraordinária, sua intensa vida pública com suas convicções interiores. Um bom político, de fato, não pode separar-se da verdade, nem dissociar sua ação da moral. A dignidade dos homens públicos é certificada por uma boa consciência. Como explicar, diante do povo, vantagens desonestas, sem afundar ainda mais no charco da mentira e da desonestidade? A vida de Tomás Morus é um belo exemplo de ética na política. Coisas que ficaram no passado? Não creio. É o mesmo anseio manifestado, ainda hoje, pelos milhões de brasileiros que apoiaram o projeto de lei de iniciativa popular “ficha limpa”. O futuro confirmará, com toda a certeza, que esta lei terá contribuído muito para melhorar o nível ético da política brasileira.

Estamos num ano eleitoral e o povo brasileiro é convidado, mais uma vez, a fazer um discernimento acurado sobre candidatos e partidos, para escolher e votar. Esta é mais uma boa chance dos cidadãos para deixar claro quais rumos querem ver na política do nosso País. Tomás Morus tem algo a ensinar e nos lembra, sobretudo, que a verdade e a ética são inegociáveis. Não têm preço. Também alerta que a corrupção da consciência é uma vilania que pode levar ao despotismo e às maiores injustiças. Com freqüência, clama-se por reformas profundas para melhorar a política do País e elas, certamente, são necessárias. Porém, mais necessários ainda, na condução da vida política de um povo são os políticos íntegros. Chegou a hora de conhecê-los e de votar neles.”

Na próxima semana trago uma nova reflexão para nos ajudar a contextualizar o momento político, desta vez do Pastor Paschoal Piragine Jr da Igreja Batista de Curitiba. Até a próxima.

Altair Nogueira é publicitário, vereador em Três Corações e acha que política é coisa séria

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