Se você acha que é somente em Três Corações que os vereadores descobriram a galinha dos ovos de ouro e não perdem a chance de participar de um curso ou congresso na capital mineira ou na capital federal, está enganado, a "farra das diárias" tomou conta do país e contribui com a corrupção e o descrédito da população aos seus representantes nas Câmaras Municipais. O assunto que domina a pauta em nossa cidade no momento é um projeto de lei de autoria do poder executivo que autoriza diárias internacionais para o prefeito, secretários e vereadores. Na semana em que o projeto daria entrada no legislativo, a sessão não pode ser realizada por falta de quórum, já que a vereadora Edna Mafra - a da Casa Maldita - liderou um trem da alegria para Belo Horizonte e Brasília acompanhada de outros 5 vereadores. Questionada pelas redes sociais, a mesma afirmou que estava em compromisso para discutir a reforma política, os demais simplesmente disseram que estavam num curso. Parece que esqueceram de combinar a desculpa. Pelas redes sociais, internautas prometem fazer um panelaço na Câmara na sessão desta segunda-feira às 18h. Ontem, o Fantástico denunciou a "farra das diárias" na Câmara de Boa Vista - RR. A seguir transcrevemos a matéria completa divulgada no programa dominical.
Boa Vista, Roraima, a sessão da Câmara, mostrada no vídeo acima, tem os vereadores mais caros do Brasil. Ela durou 20 minutos. As sessões acontecem duas vezes por semana. São 21 vereadores. Cada um deles pode custar ao contribuinte mais de R$ 85 mil por mês.
“Nosso salário como vereador está defasado”, diz o presidente da Câmara de Boa Vista, Edilberto Veras (PP).
O salário é de R$ 12 mil, mas quem participa de comissões especiais ganha um extra de R$ 9 mil. A verba de gabinete, para pagar assessores escolhidos pelo vereador, é de R$ 30 mil. E ainda tem a verba indenizatória, de R$ 35 mil para cada vereador.
Fantástico: O senhor acha razoável esse custo?
Edilberto Veras: Olha, são questões. Isso é o Brasil.
O problema são os R$ 35 mil de verba indenizatória. Com esse dinheiro os vereadores alugam carros, compram combustível, contratam serviços, mas na hora de comprovar as despesas, a bagunça é total.
No item aluguel de carros, por exemplo, vereadores apresentavam notas fiscais de uma loja que vende ração.
“Alugar carro? Aqui não é venda de ração, de coisa?”, questiona um morador.
Gente que nunca teve carro aparece na prestação de contas de alguns vereadores.
Fantástico: O senhor nunca teve um automóvel?
Morador: Nunca comprei um carro e nem uma "mota". Só bike.
E tem locador de carro que nem usa nota fiscal.
Fantástico: O senhor quando presta serviço para o gabinete do vereador, o senhor emite recibo ou nota?
Nisley de Oliveira, funcionário público: Recibo.
Nisley de Oliveira aluga carro para vereadores como o Guarda Alexandre. Para a Câmara, ele presta contas do serviço só na base do recibo.
“Porque o entendimento do controle interno da casa, eles nos orientaram que poderia ser feito por recibo”, diz o vereador Guarda Alexandre, do PC do B.
“Tem que haver apresentação de notas fiscais e tem que haver um controle maior por parte do gestor da Câmara em relação às pessoas que locam carros para os vereadores”, afirma Paulo Sousa, procurador-geral do Ministério Público de Contas.
A própria nota fiscal às vezes não garante nada, lembra da locadora que vende ração?
Fantástico: Boa tarde. Tudo bem? Eu queria alugar um carro aqui.
Funcionária: Alugar um carro?
Fantástico: É, aqui não aluga carro?
Funcionária: Não.
É uma das prediletas do vereador Mauricélio Fernandes.
“No contrato social dela, diz que ela está apta à locação de veículo também”, explica o vereador Mauricélio Fernandes, do PSC.
Só no contrato mesmo. Na loja, só tem ração. Outra "locadora" frequentada pelo vereador Mauricélio é esta que aparece no vídeo acima.
Não tem ninguém, não funciona aparentemente, mas esse é o endereço que consta no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas.
Às vezes, a suposta locação não tem nem a nota fiscal, nem o carro e nem a locação.
Um homem aparece na prestação de contas de um vereador, o Pastor Manoel Neves, do PRB.
Fantástico: E você não alugou para o vereador?
Homem: Não.
Fantástico: Consta que você alugou e que teria recebido R$ 49,5 mil.
Homem: Não tem nem perigo de eu receber esse valor. Nunca! Eu até preciso porque eu estou casando agora!
Fantástico: Eu estou procurando o vereador Manoel Neves. Você é filha dele?
Jovem: Ele não se encontra, ele está viajando.
Fantástico: Você poderia anotar meu telefone para caso ele queira falar, me ligar.
Jovem: Anoto sim.
O vereador não ligou para nós.
Há também o caso do aluguel em família. Família de servidores públicos.
Fantástico: Qual é a sua ligação com o vereador Paulo Linhares?
Anderson Gentil: Ele é meu primo.
Anderson Gentil é secretário adjunto de infraestrutura do estado de Roraima.
Fantástico: O senhor tem uma locadora de veículos?
Anderson Gentil: Não, mas a gente aluga.
Fantástico: Que tipo de veículo o senhor aluga?
Anderson Gentil: Os meus pessoais, eu vou alugar outros veículos?
Ele recebeu R$ 60 mil do primo, o vereador Paulo Linhares, do Partido Progressista. Dinheiro público, é sempre bom lembrar. Só que não pode.
“O vereador não pode, por exemplo, locar carro de pessoas vinculadas à família, por mais que essa pessoa da família seja empresária”, ressalta Paulo Sousa, procurador-geral do Ministério Público de Contas.
O Fantástico procurou Paulo Linhares, mas ele se recusou a dar entrevista.
Tem vereador que não faz negócio com parente. Faz negócio consigo mesmo.
“Eu não tenho o que explicar. Eu há mais de 20 anos eu sou proprietário da maior rede de postos de combustível do estado de Roraima” afirma o deputado federal Abel Galinha (PDT).
O ex-vereador Abel Galinha, hoje deputado federal, abasteceu na própria rede de postos os carros alugados pelo seu gabinete. Dessa forma, Abel Galinha pagou para ele mesmo mais de R$ 80 mil.
Abel Galinha: E eu ia comprar de quem?
Também não pode.
“É vedado para o servidor público ter negócios com o órgão que o paga”, informa Paulo Sousa, procurador do Ministério Público de Contas.
Aliás, a rede de postos Abel Galinha é muito usada pelos vereadores de Boa Vista.
Marcelo Batista é mais um deles. Na prestação de contas de 2013, oito das 12 notas mensais apresentadas pelo vereador têm o mesmo valor: R$ 4,5 mil.
Fantástico: É uma coincidência?
Marcelo Batista (PMN): Pode ser uma coincidência ou pode ser de acordo com o custo que é feito do carro que é feito do gabinete.
“É impossível a pessoa gastar o mesmo tanto de combustível todos os meses. E isso a gente vai começar a apurar nos próximos atos”, diz Paulo Sousa.
Marcelo Batista é o mesmo vereador que declarou ter contratado uma advogada em um ‘escritório’. A equipe do Fantástico foi conferir o endereço do escritório da advogada do vereador Marcelo Batista. E quando chegou lá, encontrou uma venda de frango assado.
Pela prestação de contas de 2013 e 2014, os vereadores gastaram em combustível mais de R$ 1,4 milhão. Daria para viajar entre Boa Vista e São Paulo 1.311 vezes.
Para dar conta dos gastos desses caros vereadores, eles mesmos aumentaram o orçamento da Câmara no fim de 2014.
“O aumento do orçamento da Câmara implica numa retirada de verbas de outros setores do município, que são setores sensíveis”, diz o promotor de Justiça Isaías Montanari Jr.
A Secretaria de Gestão Ambiental, que também cuida dos índios da região, perdeu mais de R$ 9 milhões, que foram transferidos para o caixa da Câmara de Vereadores. O motivo está claro na resolução: "Atender as atividades do Poder Legislativo Municipal com verbas de gabinete, indenizatórias e outras restituições."
Em um bairro está um dos maiores problemas ambientais de Boa Vista. Lá era um antigo lixão.
Fantástico: A senhora sabe o que tem aqui nesse terreno, embaixo?
Mulher: É lixo.
Fantástico: Mesmo assim a senhora vai fazer seu barraco aqui?
Mulher: Vou, eu não tenho onde morar.
“Há uma desproporção. Economias maiores, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, que têm um PIB municipal maior, gastam muito menos do que Boa Vista. Por exemplo, São Paulo é uma economia 93 vezes a economia de Boa Vista e gasta 25% menos”, diz Natália Paiva, diretora do site Transparência Brasil.
E, além dos valores fixos, tem ainda o custo com diárias de viagens. Segundo os vereadores, para fazer cursos.
Fantástico: O senhor se lembra que curso fez?
Adelino Neto (PSL): Não, não me recordo
Fantástico: Qual cidade o senhor foi?
Adelino Neto: Não me recordo também.
No ano passado, o valor médio pago em diárias foi de R$ 6 mil por mês. Com isso e mais as verbas fixas, o custo com cada vereador ultrapassa R$ 92 mil mensais.
Fantástico: Onde o senhor foi?
Edvaldo do Santa Teresa (PRB): Câmara municipal do Amazonas.
Fantástico: Quanto tempo o senhor ficou lá, o senhor lembra?
Edvaldo do Santa Teresa: Se for falar o que comi ontem que eu até esqueci. Ainda mais um ano atrás que eu viajei.
Fantástico: O senhor lembra se foi de carro, de avião?
Edvaldo do Santa Teresa: Você sabe qual é o hotel que tá hospedado aqui?
Fantástico: Sim, claro.
O vereador Léo Rodrigues (PR) cita apenas um curso que ele teria feito.
Léo Rodrigues: Acredito que em novembro, não sei, não me recordo direito, já faz tempo.
Fantástico: E além desse curso o senhor fez mais algum?
Léo Rodrigues: A gente faz vários cursos...
Ele era o presidente da Câmara no período analisado pelo Tribunal de Contas de Roraima.
Fantástico: O senhor manda para a gente uma lista dos cursos que o senhor fez?
Léo Rodrigues: Sim, estamos à disposição para você ver que não foi à toa que nós voltamos e atendemos vocês.
No dia seguinte...
Fantástico: A prestação de contas sobre as suas viagens, o senhor trouxe, o senhor conseguiu?
Leo Rodrigues: Eu falei pra vocês que eu vou passar tudo para vocês.
Mas não passou.
Fantástico: Quais as consequências para os gestores desse dinheiro mal usado?
“Eles vão se penalizados, em princípio, eles ficam inelegíveis. Os crimes de improbidade administrativa, em função desse desvio, a gente encaminha também ao Ministério Público Estadual para que ele apure as responsabilidades e penalize o gestor”, destaca Henrique Machado, presidente do Tribunal de Contas/RR.
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